opinião

Receita não concluída



A aula havia terminado. Todos juntavam os materiais para desocupar a sala para a próxima turma. Naquele dia, eu tinha mais coisas para guardar. Levei um documentário para assistirmos em aula e depois discutirmos sobre o tema: "O caos: o mundo sem petróleo". O assunto rendeu uma rica discussão sobre a dependência humana do óleo negro. O filme apresenta a difícil adaptação à nova realidade sem petróleo e seus derivados. A sobrevivência ficou ameaçada. O mundo virou um caos. Foi neste desligar de equipamentos, fechar arquivos, descartar as embalagens dos bombons, pois filme tem que ter chocolate ou pipoca para criar o clima de cineminha, que um aluno se aproximou. Parou na minha frente e perguntou se podia me fazer uma pergunta. Claro que sim, respondi, animada. Surpreendentemente, ele me perguntou se o homem era uma receita que tinha dado errado. Confesso que eu não esperava que ele tivesse ido tão longe na reflexão, afinal a disciplina é Energia e Meio Ambiente. Eu gosto disso.

A sala de aula é um espaço de reflexão. Educação é formação crítica. O processo educacional é desafiador. Me senti desafiada e desafios nos motivam. Em meio à surpresa da pergunta e ao olhar curioso do meu aluno, eu não deveria ser apocalíptica, pensei em dar uma resposta monossilábica - não! Nem excessivamente otimista e dizer - sim! Eu estava diante de um jovem que precisa manter a motivação e a crença de que transformar é possível. Eu precisava reafirmar a ele que a mudança está em cada um de nós e ela vai ser boa ou ruim, dependendo de nossos valores e de nossos propósitos.

A reflexão que fiz está distante de conceitos filosóficos. Sou apenas uma química que trocou o laboratório pelo meio ambiente. Estudá-lo possibilita questionamentos bastante amplos. O homem é o único ser que destrói o ambiente em que vive, tornando-o inóspito para si próprio. Acredito que a evolução do homem ainda está em curso. A resposta definitiva demorará. Nossa evolução está sendo muito lenta. Justifiquei ao meu aluno que se eu olhar pelo viés das pessoas que praticam a bondade, a solidariedade, o amor e, são muitas - a receita deu certo. Se eu olhar pela ótica da elevada capacidade humana de crueldade, de destruição, de egoísmo - a receita deu errado. Mas a reação ainda não acabou. Nas reações químicas, a velocidade é variável, assim como os níveis de entropia dos reagentes. Acredito que aqueles que praticam o bem e se preocupam em ser cada dia melhores estão no caminho de uma reação, cujo produto principal superará os secundários. Porém, há aqueles que o processo ainda é muito inicial e é preciso oferecer condições reacionais mais favoráveis para que tomem o curso da bondade, do respeito aos outros e do amor sem preconceito, sem rótulos, sem máscaras. Somos uma receita não concluída que é necessário aumentar a energia de ativação para que, no final, o produto não esteja fora das especificações.

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